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Narcotráfico não acaba porque financia campanhas políticas


15/05/2018

O detento 37 deixa o pátio onde jogava bola com outros presos, em uma tarde ensolarada de outubro, para ser escoltado por um agente penitenciário. Ele é levado até uma sala dividida ao meio por uma grade de ferro dentro das instalações do presídio de segurança máxima de Mossoró (RN) -- cidade com 295 mil habitantes localizada no semiárido nordestino.

 

Condenado a um total de 48 anos de reclusão pelos crimes de tráfico de drogas e por ser mandante de dois assassinatos, Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, conhece os procedimentos do sistema penitenciário federal: são 21 anos ininterruptos passando por prisões, mais da metade de sua vida. Vira-se para a parede e as algemas são retiradas pelo agente. Senta-se na cadeira à espera das perguntas do UOL, em uma entrevista exclusiva de duas horas.

 

Ouve-se o barulho da disputa renhida do futebol no pátio. Marcinho VP sorri. O uniforme azul pálido transparece o suor dele. "A gente precisa aproveitar o pouco tempo que tem fora da cela", diz aquele que é apontado pelas autoridades da segurança pública como um dos chefes do Comando Vermelho, a maior facção criminosa do Rio de Janeiro, fundada em 1979. "Isso é folclore", diz.

 

Marcinho VP gosta de escrever. Afirma ser alvo de "injustiças" e, para se defender, lançará no sábado (21) o livro "Marcinho Verdades e Posições -- Direito Penal do Inimigo". A obra foi redigida em coautoria com o jornalista Renato Homem. O detento conta sua trajetória no mundo do crime, nega as acusações que lhe pesam, relembra companheiros, comenta sobre política e Operação Lava Jato e ataca o ex-governador Sérgio Cabral Filho (PMDB), a quem diz terprestado favores eleitorais em 1996. "Ele é o cacique-mor da maior organização criminosa do Rio de Janeiro.

 

A polícia afirma que Marcinho comandou o tráfico no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio. Ele nega.

 

Marcinho defende a legalização da maconha. "O tráfico de drogas não acaba porque financia campanhas políticas no Brasil", afirma. "O tráfico é nocivo e funesto, mas a corrupção é o crime que mais mata no Brasil.

 

Inimigo do Estado

 

Uma infância pobre, marcada pela presença constante da violência.

 

O pai de Marcinho VP foi assassinado aos 26 anos de idade. A mãe passou cinco anos foragida da Justiça, quando ele era criança. Após largar a escola e fazer vários bicos, Márcio dos Santos Nepomuceno começou a praticar delitos no começo da adolescência.

 

Quando tinha 16 anos, dois amigos de infância --Rômulo e Jabá-- foram mortos pela Polícia Militar, durante uma ação na Vila Norma, bairro de São João do Meriti, cidade localizada na Baixada Fluminense. Para ele, foi um marco que determinou o rumo de sua vida, conta em seu livro.

 

"Isso me levou a abraçar o submundo do crime como profissão. A quadrilha começou a fazer inúmeros assaltos para se armar porque percebia que cada de um de nós poderia ser o próximo a morrer. E todas as vezes que aqueles policiais militares entravam na Vila Norma era um pega para capar retado, tiroteio para todo lado."

 

Marcinho VP afirma que na primeira vez em que foi preso, também aos 16 anos, subornou policiais para ser liberado. Sua ascensão como criminoso foi rápida.

 

"Parei no Alemão, na Mangueira, em Vigário Geral, no Jacarezinho. Parei em várias comunidades do Rio de Janeiro. Eu praticava grandes assaltos e comprava armas para os chefes do tráfico das comunidades e eu fiquei com certa fama, ganhei certa ascendência como líder, mas chefe do tráfico eu nunca fui. Trafiquei na Vila Norma quando tinha 17 anos", diz.

 

Não é o que diz a Polícia Civil do Rio de Janeiro. Quando foi preso em Porto Alegre, em agosto de 1996, pouco antes de completar 21 anos, ele era considerado o chefe do tráfico no Complexo do Alemão. Mais de duas décadas de prisão não mudaram essa realidade, afirmam relatórios de Inteligência da SSP-RJ (Secretaria da Segurança Pública do Rio de Janeiro).

 

"Hoje o Comando Vermelho tem dono. E ele se chama Marcinho VP", disse, sob sigilo, um policial civil do Estado, atuante há mais de 20 anos. "Nada é feito sem autorização dele."

 

À época de sua prisão era comum a imprensa confundi-lo com outro Marcinho VP, mais famoso do que ele. Márcio Amaro de Oliveira comandava o tráfico no Morro da Santa Marta, na zona sul do Rio de Janeiro, onde Michael Jackson gravou cenas do clipe da música "They Don't Care About Us". Ele teve sua trajetória retratada pelo jornalista Caco Barcellos no livro "Abusado". Dois meses após o lançamento do livro, em julho de 2003, o Marcinho da Santa Marta foi estrangulado no presídio de Bangu III. Seu corpo foi encontrado dentro de uma lixeira.

 

Investigações policiais apontaram o Marcinho VP do Complexo do Alemão como um dos possíveis mandantes do assassinato do xará de apelido. "Um absurdo, um descalabro. Eu não tinha motivo algum para querer vê-lo morto. Éramos amigos, companheiros de galeria.

 

Marcinho VP do Complexo do Alemão teve seu nome envolvido em outra morte de traficante ocorrida dentro de um presídio. Em 11 de setembro de 2002, Marcinho VP e Fernandinho Beira-Mar comandaram uma rebelião no presídio de Bangu 1, que resultou na destruição da unidade de prisão e na morte de quatro rivais, entre eles Ernaldo Pinto de Medeiros, o "Uê". Beira-Mar já foi condenado por esse crime. Marcinho VP ainda enfrentará um julgamento sobre o caso.

 

"Me arrumam processo em cima de processo. Consegue-se resolver dois, eles me arrumam mais três. Resolvi um, eles me arrumam mais dois. E nunca para. É uma forma de me perpetuar na cadeia", afirma.

 

Ao se defender das acusações, ele usa termos jurídicos, cita leis e usa uma expressão recorrente: "direito penal do inimigo". "O direito penal do inimigo é a antítese do Estado Democrático de Direito. Se a dignidade da pessoa humana é o eixo estrutural do Estado Democrático de Direito, no direito penal do inimigo, nós perdemos todos o status de cidadão e somos tratados como presos de guerra, como inimigos do Estado", afirma.

 

Fonte: UOL

 


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