12/09/2025
Na segunda-feira, 8, o Itaú Unibanco demitiu cerca de mil funcionários sob a justificativa de baixa produtividade a partir do monitoramento de softwares de gestão. Embora a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) permita que as empresas usem essas ferramentas desde que comunique para os colaboradores o que será feito e com qual objetivo, o anúncio levantou discussões de como os sistemas são utilizados e quais são os critérios para medir o desempenho.
O Estadão conversou com especialistas e empresas que oferecem esse tipo de serviço para entender como funciona no contexto corporativo.
O mercado de software de gestão de produtividade vivenciou um boom com o aumento do trabalho híbrido após a pandemia. A lógica é semelhante entre diferentes empresas que oferecem esse serviço, desde acompanhar como o tempo é distribuído ao longo da jornada, mapear padrões de uso até transformar dados em relatórios de desempenho.
Gestão de produtividade
Na Evope, empresa brasileira de solução para gestão de produtividade, que atende mais de 50 clientes, incluindo Natura, Banco BMG e Petz, o software funciona por meio de algoritmos que analisam o uso do computador corporativo para gerar relatórios de desempenho individual e coletivo.
O cofundador Danilo Lira explica que a lógica é parecida com a das redes sociais. É feito uma espécie de curadoria para identificar se as atividades são compatíveis com a natureza do trabalho de determinado setor.
O software avalia padrões de comportamento de cada funcionário a partir da navegabilidade. O sistema acessa tempo ativo no computador, cliques, sites visitados, média de uso das plataformas da empresa e até mesmo um mapeamento de atividades passíveis de automatização.
Numa jornada com 40 horas semanais, um funcionário manter 80% do tempo produtivo é considerado uma jornada saudável pela Evope. Isso significa que em um expediente de oito horas a estimativa é de que em torno de 6 horas sejam dedicadas ao trabalho. Quando o uso fica abaixo dessa faixa, o sistema aponta ociosidade.
Caso o funcionário ultrapasse a média, também é registrado um alerta para o gestor. Segundo Lira, o objetivo da notificação é identificar situações de risco, como um potencial problema de saúde ocupacional, a exemplo do burnout. “Por isso, nós fazemos treinamentos para humanizar as informações que chegam até os gestores”, diz Lira.
A plataforma classifica os resultados nas cores verde, amarelo, vermelho e roxo, que indicam os níveis de aproveitamento. Os colaboradores podem acompanhar os períodos mais produtivos, médias de atividade, sites acessados e comportamento da máquina. Porém, a escolha se o funcionário pode ter acesso é feita pela empresa.
Vazamento de informações também motiva adoção de software
Uma das razões para o caso do Itaú ter gerado polêmica nas redes sociais foi o uso de determinadas métricas de produtividade. No entanto, especialistas apontam que o interesse das empresas vai além do controle de jornada.
Segundo Wanderson Castilho, perito em crimes digitais, as empresas compram esse serviço não só para ter o controle da jornada de trabalho, como também para preservar informações sigilosas.
Por exemplo, ele cita que o uso dessas ferramentas podem ser úteis em auditorias. “Existem até ferramentas que monitoram o conteúdo do que você imprime e do que copia em um pen drive”, sugere.
Na Time Doctor, que também oferece software para monitorar produtividade, não há coleta de conversas pessoais, e-mails, arquivos ou atividades fora do expediente, ressalta Vinícius Coelho, vice-presidente de pessoas e cultura na empresa.
“Cada empresa configura de acordo com sua realidade. Uma instituição financeira, por exemplo, pode ativar relatórios de uso para compliance, enquanto uma agência criativa prefere só acompanhar tempo de projetos sem capturas”, explica Coelho.
A empresa oferece rastreamento de tempo e tarefas, relatórios de uso de aplicativos e sites, registros de presença, além de capturas de tela que podem ser desfocadas ou desligadas.
No caso da Monitoo, a proposta é bastante semelhante com a Evope e a Time Doctor. No entanto, o sistema não coleta teclas digitadas, prints de tela ou cliques. O software consiste em acompanhar o tempo de atividade e ociosidade no computador. Cada empresa define o que considera produtivo, improdutivo ou neutro, de acordo com a realidade de cada área.
“Estar no Facebook pode ser estratégico para o marketing, mas improdutivo para vendas”, exemplifica Murilo Rodrigues, cofundador da empresa que reúne mais de 500 clientes.
Essas classificações geram relatórios e um score de produtividade, que podem ser visualizados por equipes ou por usuários individuais. O gestor consegue acompanhar a linha do tempo das atividades e configurar o que será contabilizado como trabalho.
A plataforma também permite comparativos entre setores e o agendamento de relatórios semanais enviados para os gestores.
“Entramos nesse nicho de analisar sem invadir. Nosso foco é apoiar empresas que querem respeitar seus funcionários, mas precisam de dados para entender a produtividade e otimizar recursos”, afirma.
Falha na gestão de liderança pode deturpar uso de software
Esse tipo de recurso, no entanto, só funciona quando bem integrado à gestão. Para a pesquisadora Sylvia Hartmann, os softwares são mecanismos de apoio e só alcançam o resultado esperado se houver liderança preparada para interpretar os dados, acompanhar resultados e definir metas claras.
“O software pode atualizar protocolos, indicar onde tem gargalo, sugerir melhorias de comunicação, avaliar desempenho e aumentar o ganho de eficiência”, avalia.
Hartmann acrescenta que a tecnologia também ajuda a identificar situações de desvio de conduta ou dificuldades de adaptação ao trabalho remoto. Ela pondera que não deve ser usada de forma punitiva sem antes dar oportunidade de ajuste para o gestor e para o funcionário. “Se for preciso que haja desligamento, antes é necessário coletar essas informações e dar um feedback para a liderança ter um prazo para tentar reverter o caso”, orienta.
Em nota, o Itaú afirmou que as demissões ocorreram após quatro meses de análises que identificaram uma minoria de funcionários em regime remoto com “baixos níveis de atividade digital”, alguns chegando a apenas 20% de atividade por dia mesmo registrando horas extras.
Segundo o banco, a média geral de atividade digital entre os colaboradores em home office é de cerca de 75%, índice considerado adequado pela empresa. Os casos abaixo desse patamar “denotam desvio do padrão de comportamento e quebra de confiança”, segundo o comunicado.
Por Jayanne Rodrigues
Fonte: Estadão via Contec
UGT - União Geral dos Trabalhadores