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A crise do clima é social, a solução deve ser política


23/11/2022

Em seu discurso na 27ª Conferência do Clima (COP 27) das Nações Unidas, no dia 16 de novembro de 2022, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva relacionou a preservação ambiental ao combate à pobreza e à desigualdade. Ele deu o enfoque que se deve dar à questão.

“Não haverá futuro enquanto continuarmos cavando um poço sem fundo de desigualdade entre ricos e pobres. Este é um desafio que se impõe a nós brasileiros e aos demais países produtores de alimentos”, disse.

É algo importante a se ressaltar neste momento em que o debate sobre o meio ambiente está na moda.

Assim como questões sociais caras à esquerda, como a opressão de gênero, homofobia e racismo, são instrumentalizadas pelo neoliberalismo e transformadas em manifestações com ares de publicidade, como se vê na chamada pauta identitária, o ambientalismo também é desvirtuado quando usado apenas como uma jogada de marketing ou como tokenismo.

Hoje a sustentabilidade agrega “moral” e, principalmente, valor aos produtos da indústria capitalista.

Mas isso muitas vezes não passa de uma ironia uma vez que o modelo sobre o qual essa indústria funciona é o responsável pelos graves desequilíbrios que prejudicam o planeta. O capitalismo não existe sem destruição em massa e sem produção de desigualdade. No entanto o debate sobre ecologia parece muito longe de vislumbrar freios para esse sistema. Eis a ironia.

Não é preciso ir muito longe para encontrar discursos falaciosos sobre consciência ambiental. Seguem alguns exemplos:

A marca de produtos de limpeza Ypê é conhecida por sua postura ecológica, o que lhe rendeu até destaque no Top of Mind 2022 da Folha de São Paulo. O dono da marca, porém, foi um dos principais apoiadores da reeleição do presente Jair Bolsonaro. Como até as emas do Planalto sabem, o governo Bolsonaro foi o que mais implementou políticas que resultaram em destruição da natureza, desmontando, inclusive, importantes órgãos de fiscalização como o Ibama, e fazendo vista grossa com relação à perseguição de ambientalistas. Apoiar Bolsonaro é, desta forma, incompatível com o marketing ecológico da Ypê.

Outro exemplo: ouvi no programa CBN Sustentabilidade do dia 13/11/22, uma entrevista com Taissara Martins, gerente ESG de cafés e bebidas da Nestlé, dona da marca Nescafé. A certa altura Taissara foi questionada sobre as famigeradas cápsulas de café expresso. O estrago que essas embalagenzinhas, descartadas aos milhões diariamente, fazem no planeta é um notório exemplo de poluição. A resposta que a entrevistada deu ao problema, entretanto, me deixou intrigada. Ela disse que as cápsulas são ótimas porque permitem a flexibilidade de cada um possuir uma cafeteria em casa e que a empresa “incentiva” os consumidores a descartarem as cápsulas de modo que elas possam ser “recicladas”. Ora, ora! Claro que o descarte desses pedaços de plástico é caótico. A empresa lava as mãos ao empurrar a responsabilidade para o consumidor ao dizer que “incentiva a reciclagem”.

Tem mais. Em maio deste ano fotografei e publiquei em minhas redes sociais o preço de dois pacotes de sacos de lixo, ambos da marca Embalixo, com a mesma quantidade de sacos, sendo um vegano e outro convencional. O preço do convencional era 39,90 reais e o do vegano, 79,90 reais. Simplesmente o dobro. A sustentabilidade é cara.

São exemplos aleatórios que mostram que o enfoque liberal sobre o meio ambiente é permeado por contradições entre as ideias, as práticas e a realidade.

Não quero, com isso, negar as emergências climáticas, ou pior, dizer que a tal da sustentabilidade é pretexto para ONGs e para países capitalistas mais ricos dominarem os mais pobres.

A questão ambiental é central para o desenvolvimento e para a justiça social e as ONGs sérias desempenham um papel importante no conhecimento, conscientização e no combate à destruição do planeta. Meu argumento é: o presidente Lula jogou luz no real problema politizando-o, enquanto algumas propostas, que se vendem como modernas, não passam de marqueteiras e cosméticas.

Não será fazendo pequenos reparos no consumo e responsabilizando os cidadãos que conseguiremos frear a aceleração do colapso climático. Qualquer ajuste para uma produção mais limpa é bem-vindo, mas em uma sociedade profundamente desigual são necessárias ações massivas e abrangentes para que as medidas ambientalmente responsáveis tenham algum efeito.

Não adianta propor a reciclagem de cápsulas ou vender sacos de lixo veganos por 80 reais em uma sociedade uberizada com uma elite financeira e empresarial que se apropria do discurso ecológico, por um lado, e, por outro, pressiona para que a massa de trabalhadores tenha menos direitos e menos renda. Não adianta ser ambientalista e ser antissindical. Pregar responsabilidade ecológica sem contextualiza-la política e socialmente resulta em manifestações meramente estéticas.

E, finalmente, me parecem insuficientes discussões sobre indenizações econômicas que não considerem rever o modo de produção e das relações de trabalho.

Somente ações políticas e sociais podem ser suficientemente abrangentes para dar conta dos diversos ângulos pelos quais a natureza deve ser abordada. O Estado e os movimentos sociais são essenciais para a transição para uma economia mais verde. Os sindicatos, por sua capilaridade e conhecimento das demandas específicas de cada categoria, podem proporcionar a introdução de medidas ecológicas nos locais de trabalho.

A crise ambiental é retrato do abismo entre pobres e ricos, como disse Lula. E isso se revela tanto dentro de cada país, como nas relações internacionais. É sabido que os países mais pobres poluem menos e estão mais vulneráveis às intempéries e doenças advindas da exploração abusiva de ecossistemas e de seres vivos. Enquanto os países mais ricos poluem mais, porque consomem muito mais[1].

Por isso as soluções para a crise do clima devem estar baseadas em políticas públicas que pensem o país, sua economia e seu povo de forma integrada e que sirvam como bússola para iniciativas privadas ou não governamentais. Inovações e medidas ecológicas são bem vindas. Consideradas isoladamente, entretanto, não dão conta da sustentabilidade de 8 bilhões de seres humanos vivendo em uma sociedade cada vez mais consumista. A verdadeira mudança deverá vir de um projeto de desenvolvimento que contemple modernização do parque industrial com o uso de energia limpa e matéria prima sustentável, acesso universal à educação, empregabilidade segura, de qualidade e com garantias e ampla inclusão social.

Carolina Maria Ruy é jornalista e coordenadora do Centro de Memória Sindical

[1] O relatório da Comissão de Cambridge para Mudanças Comportamentais de Escala, de abril de 2021, afirmou que aqueles que compõe os 1% mais rico da humanidade produzem o dobro das emissões de carbono dos 50% mais pobres do mundo. Os 5% mais ricos do mundo são chamados de “elite poluidora”.




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