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Protecionismo argentino traz prejuízo de US$ 30 milhões à indústria calçadista


23/01/2014

Em mais uma das crises no relacionamento comercial entre Brasil e Argentina, agora é a vez da indústria calçadista nacional sofrer os impactos da política externa dos vizinhos latino-americanos. Os fabricantes dos cerca de 742 mil pares de calçados encomendados à indústria nacional estão encontrando dificuldades para colocar o produto nas lojas do país vizinho. Desde agosto passado, nem 20% das encomendas chegaram efetivamente à Argentina. A Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) estima um prejuízo de US$ 30 milhões com a medida.

 

O atraso na entrega das encomendas causa um efeito cascata, uma vez que, com o bloqueio argentino, as novas encomendas para o Natal não vieram, gerando um segundo prejuízo para os fabricantes. “Agora teremos o terceiro prejuízo. Neste mês começariam as encomendas para a temporada de outono e inverno. Esses sapatos já estariam em produção agora”, diz Heitor Klein, presidente da Abicalçados. “Não estamos perdendo só um negócio, entende?”

 

Klein não detalha os números, mas diz que há um volume razoável de funcionários em férias coletivas e algumas demissões já ocorreram. “A Argentina é o segundo maior mercado para a indústria brasileira de calçados. Naturalmente as empresas acabam cortando na carne”, afirma.

 

Mesmo com o prognóstico desfavorável da associação patronal, João Batista Xavier da Silva, presidente Federação dos Trabalhadores Indústria de Calçados do Rio Grande do Sul – Estado que divide com São Paulo a maior parte da produção do País – se mantém otimista e ressalta que apenas 30% da produção vai para o fora do Brasil. “Não existe essa dependência gigantesca. As empresas que estão demitindo, estão fazendo isso por má gestão”, critica Silva. “Não dá para dizer que não há problema, só que o debate não está mais em nossas mãos. Também falta seriedade de alguns empresários.”

 

Na década de 1990, o número de empregados no setor passava de um milhão. Hoje, são 245 mil trabalhadores, segundo a federação. Só em Novo Hamburgo, principal exportador para a Argentina, o total de empregados no setor despencou de 35 mil em 1995 para 5 mil em 2014. “A grande questão agora vai ser como desovar a produção”, pondera o sindicalista.

 

Liquidação

O Grupo Priority, que produz as marcas Cravo & Canela e West Coast, já mandou uma boa parte dos calçados encalhados de volta ao mercado nacional a preços bem mais baixos, uma vez que chegaram às lojas com relativo atraso frente às coleções dos concorrentes. “Produtos femininos são muito mais sazonais. Ou vendíamos aqui ou perderíamos a produção”, diz John Schmidt, diretor de exportações da fabricante.

 

O Priority é um dos grupos que já começa a rever a parceria com o mercado argentino. Segundo Schmidt, outras empresas da região já desistiram do mercado. “Nós ainda estamos avaliando, mas a redução das projeções para o mercado de lá já é um fato.”

 

Negativas

A Declaração Juramentada Antecipada de Importação (Djai) tem sido o mecanismo encontrado pelo governo argentino para burlar o acordo preconizado pelo Mercosul. Uma vez encaminhado o ofício, a importadora deverá esperar retorno para fechar negócio com a exportadora

 

Apesar de terem feito as encomendas, os importadores locais receberam consecutivos ofícios negando a autorização do produto no país. Com isso, os produtos que visavam atender ao mercado argentino no Dia das Mães, que é comemorado em outubro na Argentina, não chegaram às lojas sequer para o Natal.

 

No começo de dezembro, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Fernando Pimentel, foi incumbido de negociar a liberação imediata dos produtos. Junto com o assessor para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, o ministro esteve na Argentina para negociar com o novo gabinete da presidente argentina, Cristina Kirchner. Sem sucesso. “Os esforços do governo não têm produzido resultado”, afirma Klein, da Abicalçados.

 

Até a senadora Ana Amélia (PP-RS), uma das principais manifestantes da causa em Brasília, não parece muito esperançosa. “Minha única ferramenta é a tribuna e eu vou continuar insistindo”, diz ela, que também está insatisfeita com os esforços. “Falta uma atitude mais incisiva”, diz. Para a senadora, o tônus diplomático já deveria ter sido limado desta relação. “É inconcebível que uma relação internacional dita solidária ande dessa forma. Não é mais uma questão diplomática: Amigos, amigos. Negócios à parte.”

 

Se a parceria deve se restringir aos interesses de cada país, a Argentina parece ter um bom motivo para jogar tão pesado. Segundo os dados do MDIC, no ano passado, a balança comercial com a Argentina foi favorável ao Brasil em nada menos que R$ 3,152 bilhões. O dobro do saldo apurado em 2012, de R$ 1,553 bilhão. Em 2011, o superávit brasileiro encostou nos R$ 6 bilhões.

 

Ao passo que o Brasil perde espaço na pauta de importações argentinas, quem ganha relevância é a tão temida indústria chinesa. Klein vê os sapatos brasileiros sendo substituídos no país vizinho. “A China está com a entrada facilitada na Argentina e o resultado é esse. Terminamos 2013 com menos da metade do mercado de calçados importados, enquanto os chineses já têm mais de 50%. E eles nem fazem parte do Mercosul”, afirma.

 

Marcelo Suano, que comanda o Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais (CEIRI), avalia que as relações entre Brasil e Argentina não devem mudar tão cedo. “Mesmo se o governo mudar, o favorito a substituir Cristina Kirchner, Sergio Massa, é peronista, então a conduta deve ser muito similar”, avalia. “Peronistas não querem saber de nada que não seja centralizador.”

 

Por outro lado, na tentativa de manter sua base política no poder, Cristina não deverá medir esforços para agradar aos setores produtores. “É uma esculhambação política que acaba atrapalhando a economia”, complementa Suano. Por aqui, há quem diga que a proximidade das eleições também pode estar provocando uma queda de braço entre situação e oposição, em busca dos louros pela conciliação desse litígio.

 

Maior crescimento das exportações

A despeito da crise com o país vizinho, o Rio Grande do Sul foi um destaque do comércio exterior nacional ano passado. De acordo com o MDIC, o aumento das exportações foi de 44,34% frente a 2012 – maior crescimento relativo, de US$ 17,3 bilhões em 2012 para US$ 25 bilhões no ano passado. Atualmente o Estado representa 10,36% das exportações nacionais.

 

Em valores absolutos, no entanto, São Paulo segue na liderança, com US$ 56,3 bilhões vendidos ao exterior – queda de 5,11% frente ao mesmo período do ano passado. Atualmente, São Paulo é responsável por 23,25% da exportação nacional.

 

Fonte: Ig


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