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Velozes, sem dinheiro e sem vínculo: a dura rotina de motoboys de aplicativo


08/12/2022

Ralf é entregador desde 2018 e luta por melhorias dentro do seu trabalho

Cleber Mendes/ Agência O Dia









Paralisação nacional da categoria está marcada para o dia 25 de janeiro. As principais reivindicações são reajustes nos preços das entregas e o fim da entrega dupla e tripla


Rio - Em um dia, Marcelo Castelli percorre 160 km em 14 horas. Em troca, ganha apenas R$ 50 — um total de R$ 350 por semana. Essa é a dura realidade do entregador de 29 anos, morador de Campo Grande, Zona Oeste do Rio. Para conseguir ganhar um pouco mais, Marcelo passava o fim de semana na Zona Sul fazendo entregas e, para economizar o dinheiro do combustível, dormia em um posto de gasolina e só voltava para casa no domingo. Para mudar a realidade dos motoboys vinculados a aplicativos, uma paralisação nacional da categoria está prevista para o dia 25 de janeiro. As principais reivindicações são reajustes nos preços e o fim da entrega dupla e tripla.


Marcelo, que trabalha desde os 13 anos, começou a fazer entregas por apps há quatro anos. Ele contou que a situação está tão ruim que não há nem como almoçar ou jantar durante o expediente, pois o dinheiro não é suficiente. "A gente só come um salgado e olhe lá. Coxinha no almoço e outra na janta, ou nem janta, só almoça. É muito difícil se alimentar direito, está tudo muito caro".


Segundo ele, quando a pandemia da covid-19 virou realidade, muitos colegas acreditaram em uma melhora por causa do alto número de demandas, mas a expectativa tornou-se decepção. "A gente pensava que ia rolar mais entregas, mas não. Piorou muito, aumentou a demanda, tudo bem, mas também o número de entregadores. O valor da taxa de entrega, ao invés de subir, diminuiu. A gasolina ficou mais cara, como é que faz?", explicou. "Eu trabalho 14 horas por dia, faço isso para sobreviver, para não faltar mesmo. Moro com a minha esposa e duas filhas, o aluguel está para vencer, preciso ir para a rua para conseguir juntar o valor e pagar", completou.


Com filhos pequenos em casa, o entregador declarou que luta para que não falte o básico e, nesse fim de ano, vai precisar fazer uma renda extra para conseguir comprar alguma coisa para a ceia de Natal. "Roupa eu dou um jeito de comprar para os meus filhos. Para mim não tem não, esquece isso. Eu estou tentando trabalhar mais do que eu devo pra tentar fazer alguma coisa aqui em casa no dia do Natal", acrescentou ele, que liga de vídeo chamada para matar a saudade dos filhos quando está muito tempo na rua.


"Aqui em casa a gente cortou carne, é só frango, ovo e salsicha. Não sai disso. Está tudo muito difícil, é muito ruim os filhos pedirem algo e a gente não poder dar. Por exemplo, eles estão me pedindo banana, então eu estou fazendo dinheiro hoje para poder comprar. Se não saio para trabalhar um dia, não entra nada. Fico pensando que se eu me acidentar, lascou", completou.


De acordo com Marcelo, os aplicativos não fornecem nenhum tipo de segurança para o veículo ou saúde dos trabalhadores. "A minha moto não tem seguro, é algo que eu queria muito, inclusive. Eu rodo em lugar perigoso, se eu for roubado já era. Eles não dão nada, temos que responder por nós mesmos".


"Eu não completei o ensino médio. Estava no primeiro ano quando eu tive que parar para trabalhar, por isso larguei a escola. Nunca tive dinheiro para pagar faculdade, nem Enem. Essa é a realidade de muitas pessoas. Na minha vida, tudo depende de mim. Todo dia nessa rotina é difícil, mas quando coloco algo na cabeça eu faço. Tenho uma família para cuidar. Eu desanimo, claro, mas não paro. Quem tem filho não pode parar", concluiu.


Ralf Alexandre Campos Elisário, 43, é entregador de aplicativo desde 2018. Para ele, estar nessa função atualmente é como "ser um escravo". "O entregador não tem autonomia nenhuma. Como muitos se dizem autônomos, com o aplicativo veio essa visão de ser seu próprio patrão. É tudo pegadinha", disse. "A maioria das empresas programa algoritmo para forçar o entregador a ficar na rua por mais tempo. Se ele não quiser trabalhar hoje, por exemplo, o score desce e no dia seguinte não entrega. Para que o entregador fique com score alto, ele precisa trabalhar sábado, domingo e feriado".


Quando entrou para o ramo, em 2018, Elisário percebeu a diferença. "A população achou que os aplicativos estavam fazendo o bem durante a pandemia, mas foi estratégia deles liberar cadastros. Depois da quarentena, todos eles diminuíram os valores da entrega. Ficou muito pior. A ideia dos aplicativos não foi para ajudar a galera que estava desempregada, mas causar concorrência e realmente baixar os valores de forma tranquila".


Antes, de acordo com ele, um entregador que fazia serviço de correio e rodava 10 ou 20 km com 20 pacotes, recebia por volta de R$ 140. Depois da pandemia, com a liberação dos cadastros, a mesma corrida é feita com 50 pacotes por um valor menor, chegando a R$ 40. "O Ifood pagava R$ 8 por entrega, agora foi para R$ 6", disse. "A gente paga tudo, absolutamente tudo. Toda manutenção da moto, combustível, alimentação, internet, vestimenta, acessórios, tudo é pago pelo entregador", explicou Ralf, que também é produtor de conteúdo e tem mais de 32 mil seguidores em suas redes sociais. "Nós estamos fazendo um trabalho grande para alertar o entregador a fazer cálculos, ou seja, ver se está sendo enganado, entender quanto recebe, colocar tudo na ponta do lápis. Hoje em dia não vale a pena trabalhar por aplicativo porque tudo sai do nosso bolso. Estamos pagando para trabalhar".


Antes da pandemia, Ralf trabalhava seis a oito horas por dia e tirava o sábado e domingo para descansar. Nesse período, ele conseguia fazer aproximadamente R$ 1 mil por semana. "Eu rodava 500 km pra ganhar mil reais em uma semana. Hoje em dia, para o cara fazer esse valor, tem que rodar de mil a mil e duzentos quilômetros e mesmo assim trabalhar de 10 a 14 horas por dia, inclusive fim de semana", afirmou.


Ainda segundo ele, o uso de cartão de crédito acabou sendo comum na categoria para a compra peças de moto ou necessidade de algum ajuste no veículo. Com isso, não há dinheiro sobrando.


Os que utilizam a bicicleta como meio de transporte para entrega também estão sofrendo com o aumento do aluguel. "Os entregadores que vão pedalando estão sofrendo muito também. Eles alugavam a bicicleta por R$ 9,90 antigamente, agora aumentou a mensalidade, foi para R$ 32,90 por semana. O cara está precisando pagar quase 200% a mais".


O influenciador começou a fazer entrega como forma de renda extra, trabalhando uma semana sim e outra não. No entanto, passado algum tempo, o serviço virou sua renda principal. Ele afirmou que, se não fosse sua mulher trabalhando hoje em dia, estaria passando fome. "É bem pior do que pensam. Se não fosse minha mulher, eu já estava no SPC. Estou todo endividado. Já cortamos muita coisa aqui em casa, cancelei canal de streaming, não compramos mais carne, tiramos a academia, tirei tudo o que podia. Hoje vivemos com o básico". Até mesmo o açúcar foi substituído pelo adoçante porque rende mais. "Não sei se é mais saudável, mas dura mais e eu economizei bastante. Não viajamos, não saímos para comer, não vamos ao shopping, nada. Tudo na minha vida agora é calculado", enumerou.


O seu sonho é ver a sua filha mais velha, de 20 anos, concluir a faculdade no ano que vem e conseguir um emprego melhor. "Eu não quero que ela passe o sufoco que eu passo. Quero que a gente saia dessa situação e viva um pouco melhor".


A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) informou, através de nota, que as empresas associadas estão atentas às necessidades dos entregadores que atuam com a plataforma para gerar renda e reafirmou seu compromisso em dialogar de forma transparente e colaborativa para que possa contribuir na relação e com o trabalho desses profissionais.


Procurado, o Ifood se pronunciou e explicou que a empresa têm se dedicado na criação de uma agenda sólida e perene de diálogo com os trabalhadores e representantes da categoria para o aprimoramento de iniciativas que garantam mais dignidade, ganhos e mais transparência para estes profissionais. "Como exemplos desse compromisso, estão os últimos três reajustes realizados em menos de 12 meses; a criação de sete modelos de seguros e uma ampla rede credenciada para entregadores ativos na plataforma, sendo a primeira empresa do setor a oferecer esse a cobertura contra acidentes pessoais; e a construção de parcerias com o poder público usando a tecnologia para assegurar o trabalho desses profissionais e separá-los de criminosos que se disfarçam de entregador para cometer delitos", disse parte da nota. 


De acordo com o aplicativo Rappi, a empresa possui um fórum periódico para ouvir os entregadores independentes e está atenta a soluções e vantagens que promovem bem-estar no dia a dia de trabalho deste prestador de serviço. "Dentre os pontos, são oferecidos suporte em tempo real, cursos de capacitação, informativos de segurança no trânsito, botão de emergência para situações de risco, seguro para acidente pessoal, invalidez permanente e morte acidental e dois planos de assistência à saúde. Além disso, temos o Programa Sou Rappi, um pacote de ações de promoção de bem-estar e relacionamento voltado aos entregadores parceiros, que inclui um programa de cashback no abastecimento de combustível, a fim de promover melhorias em seus rendimentos, experiência e desenvolvimento profissional.", informou através de comunicado. 


Greve

A greve, que estava marcada para dia 13 de dezembro, foi realocada para o dia 25 de janeiro e não tem data para terminar. "A gente só vai parar quando alguém nos escutar e cumprir as pautas solicitadas. As nossas principais reivindicações são os valores. Em 2013, um motoboy particular recebia entrega mínima de R$ 10 e depois veio o aplicativo e roubou a lei. Agora, o entregador não tem mais autonomia, não há valor da entrega, não há reajuste anual. O aplicativo aumenta ou abaixa a hora que ele quer", explicou Ralf. "Nós buscamos uma entrega mínima de R$ 10 e mesmo assim já está ultrapassado o valor, porque o ideal é R$ 15. Também estamos lutando pelo fim da entrega dupla, por exemplo, o aplicativo paga, por entrega, R$ 6, mas às vezes temos dois pacotes para entregar, mas eles não pagam. Se são duas entregas, temos que receber por elas", comentou.


Para o presidente do Sindicato dos Motoristas e Entregadores por Aplicativos (SindiMobi), Luiz Corrêa, as empresas precisam escutar mais os entregadores e se comprometer com as pautas reivindicatórias. "As manifestações que já têm acontecido em outros estados é para mostrar para a sociedade e o poder público a precarização do trabalho dos entregadores por aplicativo", disse. "São manifestações nacionais que temos feito na qual contamos com a cobertura da mídia, fazemos carreatas pelas cidades e bloqueamos até mesmo alguns pontos de entrega", completou. Segundo Luiz, as empresas prometem aumentar o valor das entregas e abrir o diálogo para mudar e avançar nas pautas, mas não acontece de fato. "Fica só na conversa, não vemos avanço. Por conta disso, resolvemos marcar outra manifestação de caráter nacional que será agora em janeiro. Nossa reivindicação é pelo aumento da corrida mínima. Hoje, eles ganham R$ 6 em uma entrega que, muita das vezes, precisou rodar 10km. Se for colocar na ponta do lápis, está saindo de graça. A empresa traça três rotas e só paga uma para o entregador", finalizou


Os entregadores também pedem o fim das OLs, que são empresas logísticas de entregas que faz ponte entre os aplicativos, como Ifood, Rappi, entre outros, e o trabalhador. "A gente quer o fim dessas empresas porque elas exigem horários de expediente, escala de serviço, então não faz sentido. Se são profissionais liberais, sem vínculo ou CLT, para que essas regras?", indagou Luiz. De acordo com ele, é necessário também que o novo governo se prontifique em ajudar a categoria, dando atenção as pautas e se propondo a fazer uma nova regulamentação que possa atender a todos. "Precisamos mudar a realidade desses profissionais porque está tudo muito precarizado".


O professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio (FGV-Rio), Paulo Renato Fernandes da Silva, ressaltou a importância de ter uma legislação no Brasil que abrace a categoria dos trabalhadores informais, que não são CLT ou não possuem nenhum tipo de vínculo empregatício. "Essas pessoas passaram por um processo de transformação econômica e social derivado da revolução industrial, da nova tecnologia. Na pandemia e durante ela, eles foram pegos nesse turbilhão de mudanças". De acordo com o professor, só no auxílio emergencial o governo descobriu que havia 70 milhões de pessoas trabalhando na economia informal. "Acontece que o nosso direito não estava preparado para essa situação. O direito do trabalho só regula o empregado e a verdade é que a maior parte dos trabalhadores não são empregados, ou seja, o direito cobre uma minoria. A grande massa de trabalhadores do Brasil estão fora do mercado formal de trabalho. Condições de trabalho de muitas horas, segunda a segunda, sem proteção social, sem um patamar mínimo de direitos civilizatórios, tudo isso vem gerando uma discussão sobre a necessidade de regulação desse tipo de trabalhador", acrescentou. 


Para o professor, o desafio atual é de regulamentar e criar parâmetros mínimos que garantam a dignidade de quem trabalha por conta própria. 



Fonte: O Dia




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