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Uma crise de gêneros ou do mercado de trabalho?


04/08/2020

É retrocesso voltar a impor às mulheres a escolha binária entre carreiras e família

 

Os impactos econômicos das medidas de isolamento social afetaram desproporcionalmente os trabalhadores mais vulneráveis. Não apenas aqueles com menores salários e para os quais o trabalho remoto não é opção, mas também aqueles cujo arranjo familiar –a presença de crianças– dificulta o exercício de suas funções quando as escolas estão fechadas.

 

Para as mulheres, os impactos foram ainda mais substanciais. Já se sabe, por exemplo, que a queda no emprego foi maior entre elas. E que estas variações de emprego ocorrem inclusive dentro de um mesmo setor, contestando a interpretação de que as mulheres se concentram nas atividades mais afetadas pela crise.

 

No passado, as mulheres encontravam-se segregadas em ocupações específicas e estáveis, como em atividades de ensino e cuidado (professoras, enfermeiras, assistentes sociais), que as deixavam menos suscetíveis aos ciclos econômicos.

 

De lá para cá, muitas coisas mudaram, e as reduções de várias –mas não todas– desigualdades de gênero no mercado de trabalho se tornaram evidentes. Houve, por exemplo, convergência nas escolhas profissionais de homens e mulheres, devido a uma enorme conjunção de fatores, incluído os econômicos (demanda por trabalho qualificado), os sociais (normas) e os progressos médicos e tecnológicos (saúde materna).

 

De acordo com a historiadora econômica Claudia Goldin, a conquista, feita ao longo de mais de um século, foi expressiva: hoje, mulheres podem ter tanto uma carreira quanto uma família, sem que uma prejudique a outra.

 

Vale lembrar que para a primeira geração de mulheres com ensino superior nos Estados Unidos (nascidas entre 1878 e 1897) havia apenas uma escolha possível: carreira ou família. E que a maioria delas optou justamente por não ter filhos. As primeiras mulheres que de fato conseguiram equilibrar as aspirações de uma família com uma carreira propriamente dita – aquela que possui permanência temporal, não-intermitente – o fizeram adiando a decisão dos filhos para mais tarde. Flexibilidade que foi permitida pela disseminação e uso de anticoncepcionais orais na década de 70, e ampliada pelo desenvolvimento de técnicas de reprodução assistida mais recentemente.

 

Mas a crise de agora deixou expostas outras tantas desigualdades ainda existentes, muitas originárias do próprio funcionamento do mercado de trabalho. Com o fechamento das escolas, e o aumento da quantidade de horas dedicadas às tarefas domésticas para aqueles com filhos, tornou-se inviável o exercício pleno de jornadas longas, inflexíveis e imprevisíveis – a nova norma em muitas carreiras profissionais.

 

O fenômeno é decorrente do expressivo aumento dos retornos a estes atributos no mercado de trabalho, que remunera desproporcionalmente mais por unidade de hora em um contrato de trabalho onde muitas horas são oferecidas, ou quanto o trabalhador está sempre disponível para as tarefas que são menos previsíveis.

 

Ora, se o fechamento das escolas impõe mais horas dedicadas às tarefas domésticas para trabalhadores com filhos, implicando em redução das horas trabalhadas como um todo na família, nada mais razoável que a redução de horas se dê para apenas um de seus membros. E como os homens ainda ganham mais que as mulheres, não é difícil argumentar que a redução de horas de trabalho (ou emprego) se dê justamente entre as mulheres, ainda que não exista nenhuma vantagem comparativa para elas no atendimento às demandas domésticas.

 

É notório que o fechamento das escolas compromete o aprendizado das crianças e prejudica a retomada das atividades econômicas para trabalhadores com filhos. De forma igualmente importante, também propaga e reforça as ainda existentes desigualdades do mercado de trabalho em ambiente doméstico. É um enorme retrocesso voltar a impor às mulheres a escolha binária entre carreiras e famílias: além do desperdício de capital humano produtivo, compromete mais de cem anos de conquistas a favor da igualdade entre os gêneros no mercado de trabalho.

 

Fonte: Folha de SP




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